quinta-feira, 27 de dezembro de 2018

Baú da Gesteira: A primeira epidemia de cólera na Europa (1833)

Como introdução a um trabalho que publicarei em breve, sobre o efeito da epidemia de cholera morbus, de 1833, na região Gandaresa apresento aqui apenas alguns dados preliminares.

A cólera é originária da Ásia, mais propriamente no rio Ganges (Índia), a partir do
qual se veio a espalhar pelo mundo inteiro através das rotas comerciais. Primeiro entrou na Rússia, e depois propagou-se para o resto da Europa e daqui para a América.

Os primeiros sintomas da cólera são diarreias, depois desidratação, febres altas, vómitos e dores abdominais. De seguida dá-se a queda acentuada da pressão arterial, da temperatura corporal e a morte.

Em 1835, e por causa desta epidemia, são criados oficialmente os cemitérios públicos e passa a ser proibido sepultar os mortos dentro das igrejas.

Sabe-se que a cólera chegou a Portugal, mais precisamente ao Porto, a bordo do vapor London Marchant, com o general Solignac e 200 soldados belgas, que vinham de Ostende, Bélgica, para ajudar os liberais (D. Pedro) na guerra civil (Referência: GOMES, Bernardino António. Aperçu historique sur les épidémies de choléra-morbus et de fièvre jaune en Portugal, dans les années de 1833-1865. Constantinopla: Imprimerie Centrale. 1866.).
Observou-se durante o cerco do Porto, e depois, espalhou-se pelo país. A epidemia de cólera de 1833 acabou por causar mais de quarenta mil mortos, um número mais elevado do que o da própria guerra, na altura. Depois dessa epidemia, seguiram-se mais vagas epidémicas, impulsionadas pela falta de higiene nas casas e nas ruas, pelo uso de água e alimentos contaminados e pela concentração dos doentes em pequenos espaços.

Ora, a região do couto de Cadima não fugiu a esta epidemia de 1833. Não se sabe ao certo quando a mesmo entrou no couto ou na região, mas pelos registos paroquiais pode-se ter uma ideia bastante precisa sobre as datas das primeiras mortes causadas pelo cólera.

Como exemplo vejamos o histórico de registo de óbitos para Cadima (incluia então as actuais freguesias de Cadima e da Sanguinheira):
  • 1828 - 77 óbitos
  • 1829 - 122 óbitos
  • 1820 - 55 óbitos
  • 1831 - 72 óbitos
  • 1832 - 69 óbitos
  • 1833 - 288 óbitos
  • 1834 - 102 óbitos
Quadro 1: Evolução dos Óbitos para algumas localidades (1828-1834)
Como se pode observar, em 1833 faleceram muits mais indivíduos que nos anos anteriores, de facto, morrem mais de 3 vezes e meia do que a média dos 5 anos antecedentes (79 óbitos por ano).
O incremento de falecimentos começa a observar-se em Junho de 1833 e apenas regressa ao normal em inícios de Setembro do mesmo ano. Em Cadima, o número de mortes teve o seu pico entre 2 e 12 de Agosto de 1833, quando faleceram 119 pessoas em apenas 11 dias!

Também na Gesteira o número de falecimentos aumentou drasticamente, como se pode observar no quadro seguinte. Aceitam-se teorias para algumas particularidades os dados, sobretudo o facto de na vila de Cadima (na altura sede de Concelho) apenas ter falecido 1 individuo no período de 15 de Junho a 15 de Setembro, quando em todas as outras localidades apresentadas, o número de mortes aumentou bastante.



Os valores na Gesteira, Zambujal, Fervença e Taboeira aumentaram bastante (pode aliás ver-se a discriminação do número de mortes no período mais crítico). Coloquei também os dados para Vila Nova de Outil, onde se observa o mesmo.

No entanto, para Cadima e para a Sanguinheira, os valores praticamente não mudam. Será que Cadima, sendo na altura sede de concelho, teria tomado medidas para se afastar do resto do couto? Terão impedido a restante população de entrar em Cadima? Na Sanguinheira já se observam 4 mortes, mas mesmo assim o valor total continua semelhante aos valores observados para os anos antecedentes. Curioso.

No Zambujal faleceram 42 pessoas entre 15 de Junho e 15 de Setembro de 1833, sendo, de longe, a localidade mais afectada pela epidemia (também seria a mais populosa), seguido da Fervença, com 28 óbitos (também a Fervença bastante populosa na altura).

Posteriormente adicionarei mais dados a este artigo.


sábado, 6 de outubro de 2018

Baú da Gesteira: Cadima nas notícias - séculos XIX e XX

Fiz uma recolha de notícias relacionadas com o/a couto/concelho/freguesia de Cadima desde meados do século XIX até meados do século XX. São apenas algumas notícias que falam de algumas pessoas naturais ou moradoras na região, bem como de acontecimentos, desastres, etc. Esta lista está, claramente, incompleta, e representa o que se pode encontar actualmente digitalizado on-line. No entanto, algumas notícias são muito interessantes, curiosas e valiosas para quem gosta da história da região de Cadima.

Segue a recolha de seguida:
A Freguesia de Cadima vista pela comunicação social (1843-1946)

quinta-feira, 6 de setembro de 2018

Baú da Gesteira: O Gesteirense que quase fugiu para o Brasil

Notícia retirada do "Diario Catholico de Portugal", de 16 de maio de 1907.

Neste jornal católico Lisboeta, na sua edição de 16 de maio de 1907 aparece uma notícia entitulada "Prisão a Bordo".

A história é de um homem, que nasceu na Gesteira em 12 de junho de 1883, chamado Manuel da Silva Moço (também denominado Manuel da Silva Quintão, na notícia).

Assinatura de Manuel da Silva aquando do seu primeiro casamento em 1905
 
Manuel era filho de José da Silva Moço e de Maria de Jesus naturais e moradores na Gesteira, neto paterno de José da Silva e de Bárbara de Jesus, e materno de Alexandre Gonçalves e de Maria de Jesus, todos da Gesteira.
Manuel da Silva casou primeiro com Maria do Espírito Santo em 7 de janeiro de 1905. Esta era filha de José Maria Camarinho e de Maria da Luza, da Quintã. No entanto, Maria do Espirito Santo viria a falecer nesse mesmo ano de 1905 a 23 de novembro, muito provavelmente por complicações pós-parto, pois tivera uma filha Maria no dia 12 de novembro, mas que viria também a falecer a 16 de novembro.
Manuel da Silva voltou a casar com uma cunhada, Amélia do Espírito Santo, de 17 anos, em 21 de abril de 1906.

Ora, segundo nos conta a notícia, o vapor "Loanda" que chegou ao Tejo no dia 15 de maio de 1907, transportava Manuel da Silva Moço que foi entregue à polícia do porto. Foi posteriormente enviado ao serviço de instrução criminal pelos soldados 149 e 45 da 3ª companhia da guarda municipal.

Manuel, tinha 23 anos, era dito natural da "Gesteira da Quinta", da freguesia de Cadeiras, concelho de Cantanhede. Aqui há dois erros na notícia, ele era natural da Gesteira e morador na Quintã, e não há freguesia de Cadeiras, mas sim Cadima.

Aparentemente, Manuel vivia na Quintã desde 1903, mais ou menos, criando um estabelecimento de fazendas, mercearia e outros artigos, tendo para isso pedido crédito a vários negociantes.
Mas o negócio não parece ter-lhe corrido sempre bem, sendo que três meses antes (talvez em fevereiro de 1907) havia chamado os seus credores que já o tinham colocado em tribunal, e vendeu os bens e algumas propriedades que tinha, tendo feito uma "phantástica venda" a um cunhado seu, por 45.000 reis. Mas não deve ter usado esse dinheiro para soldar as suas dívidas, foi antes a Coimbra, tirou o passaporte no governo civil de Coimbra, e foi depois para Lisboa onde embarcou no paquete inglês "Orissa", no dia 1 de maio de 1907, com o destino de Santos, no Brasil. Como, na altura, a polícia não tinha recebido ainda o mandato de captura, ele lá seguiu no paquete a caminho do Brasil. A polícia depois telegrafou para a polícia da Ilha de São Vicente, em Cabo Verde, onde o paquete foi forçado a fazer uma escala, chegando no dia 6 de maio. Manuel da Silva foi detido, e assim esteve 6 horas até ser transferido para o paquete "Loanda", que o traria a Lisboa .